ArtigosAutoresTeoriasO que é a interpretação?

Por Juliana Figueiró Ramiro

A psicanálise é o campo fundado por Freud, que pode ser compreendido em três níveis, segundo Laplanche e Pontalis (1970): um método de investigação, que considera as manifestações do inconsciente; um método psicoterápico, baseado na investigação e interpretação do que traz o paciente; e, por fim, um conjunto de teorias psicológicas e psicopatológicas. O grande avanço da disciplina proposta por Freud foi a descoberta do inconsciente, que o próprio autor tratou como a terceira ferida narcísica do homem, a mais dolorosa, pois propõe, segundo palavras próximas as dele, que o eu não é mais senhor em sua própria casa, destacando o fato de que as ações do sujeito são influenciadas por uma instância que foge do controle racional.
A

interpretação, centro do interesse deste texto, é o principal instrumento da psicanálise e entendo como chave que dá acesso ao analista ao inconsciente do seu paciente. Frente a sua importância, esse breve texto busca refletir sobre sua conceituação, limites e possibilidades.

A interpretação, segundo Laplanche e Pontalis (1970), é uma técnica de investigação analítica, que apreende, via conteúdo manifesto, o sentido latente existente nas palavras e comportamentos dos sujeitos. Para os autores (1970, p. 318):

“A interpretação traz à luz as modalidades de conflito defensivo e, em última análise, tem em vista o desejo que se formula em qualquer produção do inconsciente”.

A interpretação é peça-chave na teoria e técnica freudiana e, em um processo de análise, resulta em uma forma de comunicação que o psicanalista produz, procurando revelar o sentido latente de determinada fala ou conjunto de falas e comportamentos do paciente. Podemos pensar o analista como uma espécie de leitor do seu paciente, um leitor atento não só ao que é dito, mas ao que fica latente no conteúdo. Ainda, é possível considerar o paciente, dentro do processo psicanalítico, como um leitor de si mesmo.

Um dos primeiros exemplos de interpretação trazidos por Freud está no livro dos sonhos. Freud (2019) (1900) defendia que o sonhador contava seu sonho, o conteúdo manifesto dele, e, pela livre associação, era possível chegar ao seu conteúdo latente, interpretando-o. O processo de interpretação, segundo Laplanche e Pontalis (1970), também acontece com outras produções do inconsciente – os atos falhos, sintomas, chiste e, neste estudo, vamos usá-lo para olhar para o texto, provando ou refutando a tese de que o inconsciente nele se revela.

Para Etchegoyen (2004), a interpretação como instrumento do analista sempre faz referência a algo que diz respeito ao paciente, porém que ele não tem conhecimento. Segundo o autor (2004. p. 192):

“A interpretação é uma explicação que o analista dá ao paciente (a partir do que este lhe comunicou) para lhe proporcionar um novo conhecimento de si mesmo”.

Liberman (1972) afirma que o analista, quando interpreta, traz um segundo sentido ao material do paciente. O processo consiste em unir elementos trazidos pelo paciente nas suas associações livres, formando uma síntese que aponta para um novo significado de determinada experiência.

Segundo Etchegoyen (2004), a interpretação é sempre uma hipótese. Uma suposição que pertence ao mundo dos estados mentais, das ideias que possuem certo sentido e relações lógicas entre si. Interpretar, em Psicanálise, é tornar consciente o inconsciente, é explicar o significado de um desejo inconsciente, trazer às claras determinada pulsão.

Para Nasio (2019), a interpretação se dá no movimento de ouvir as palavras, mas escutar o inconsciente. Para o autor (2019), o terapeuta sente não a emoção trazia no aqui/agora pelo paciente, mas a velha emoção traumática, sofrida quando criança e que em seguida foi recalcada. Nasio (2019) destaca o processo de ouvir a criança no adulto como parte da interpretação psicanalítica. No livro Sim, a psicanálise cura, o autor (2019) comenta que costuma aconselhar seus alunos, psicanalistas em formação, a observarem as pessoas e inventarem histórias a partir o que veem. Esse exercício, segundo ele (2019), é a base da escuta psicanalítica, da qual a interpretação é consequência. Nasio (2019, p. 43) afirma: (…) capto o inconsciente do meu analisando, que se impõe como uma cena fantasística, visto a pele do personagem principal e, deixando-me levar pela ação, transmito por fim ao paciente, com infinita delicadeza, o que acabo de viver.

Nasio (2019) destaca algo que para ele é fundamental no processo de escuta e interpretação. De acordo com o autor (2019, p. 47), a escuta psicanalítica é um “mergulho luminoso para dentro de si mesmo” e somente dentro de si é que o psicanalista pode encontrar o outro. A interpretação e a escuta colocam o analista como um intérprete de uma partitura que se dá diante de seus olhos. Ele a comunica e espera que o analisando diga que aquela melodia é a sua melodia.

No livro dos sonhos, Freud (1900) colocou a interpretação como direção oposta ao trabalho dos sonhos, que consiste em transformar um conteúdo latente em manifesto; a interpretação percorre o caminho contrário. Interpretar um sonho é descobrir o seu sentido.

Interpretar, como pode ser absorvido do que nos trazem as bibliografias sobre o tema, depende menos do conteúdo do paciente, porque esse sempre tenta dizer do seu sintoma, e mais da capacidade do analista em dar o tal mergulho para dentro de si mesmo. Ouvir o outro é ouvir a si mesmo. Falar de interpretação é falar de disponibilidade por parte do analista.

REFERÊNCIAS

ETCHEGOYEN, R. H. Fundamentos da técnica psicanalítica. 2 ed. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
FREUD, S. A interpretação dos sonhos (1900). São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.-B. Vocabulário da psicanálise. Santos: Martins Fontes, 1970.
LIBERMAN, D. Lingüística, interacción comunicativa y proceso psicoanalítico. 2 ed. ed. Buenos Aires: Galerna-Nueva Visión, 1972.
NASIO, J.-D. Sim, a psicanálise cura! Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2019.