ArtigosAutoresTeoriasSobre a mãe suficientemente boa

Por Juliana Figueiró Ramiro

A maternidade envolve um número incontável de variáveis, abordagens e possibilidades de reflexão. É um campo vasto de estudo que se abre diante do interesse de um pesquisador. E embora ganhem destaque dois personagens – a mãe e o bebê, certamente tornar-se mãe e ter um bebê não são movimentos que se dão isolados do externo, do interno, do tempo. Neste breve texto,  algumas possibilidades de reflexão, sem pretensão de responde-las, ou encontrar respostas, nem propor algo autêntico. Gerar pensamento é o principal objetivo.

O conceito de mãe suficientemente boa é talvez uma das grandes contribuições do pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott. E quando se fala na relação mãe-bebê, seja ela biológica ou não, com um viés psicológico, o conceito surge muitas e muitas vezes.

Mas afinal, o que é a mãe suficientemente boa?

Para Winnicott, a mãe suficientemente boa é uma ativa construtora do “espaço mental da criança”. Num primeiro momento, é a mãe que auxilia na formação da mente do bebê, empresta seu psiquismo para ele, possibilitando a experiência de onipotência primária.

Num segundo momento, a mãe suficientemente boa, faz-se necessária para apresentar o mundo ao bebê, mediando a realidade externa. Isso cria nesse sujeito as barreiras necessárias para manter-se em equilíbrio, protegido e criativo na vida adulta.

O terceiro momento da relação da mãe suficientemente boa com seu filho é o que Winnicott chamou de desilusionamento. A mãe cria a ilusão na criança de que o mundo existe apenas para suas necessidades. E agora é ela quem precisa desfazer essa ilusão, que começa com o desmame e avança, refletindo na noção da falta. Para o psicanalista, o bebê deve ser estimulado pela mãe a suportar a realidade, suportar a ausência faz com que esse sujeito se inscreva no simbólico, crie algo para lidar com a falta.

Os psicanalistas ingleses apostaram forte na relação entre a mãe e o bebê, alegando que não se pode ver o que acontece dentro da criança sem ver o que acontece dentro da mãe. Sendo uma relação, a recíproca também não seria verdade? O que se passa dentro da mãe também não pode ser visto a partir dessa relação a dois? Nenhum sujeito nasce sem memória, inteiramente “desmontado”, existe historicidade e psiquismo desde antes do nascimento. Um bebê suficientemente bom não seria ativo e passivo de uma mãe suficientemente boa?

Outro ponto importante. Para Winnicott o ambiente é um elemento fundamental, a ponto de considerar as falhas ambientais como a etiologia principal dos quadros psicopatológicos. De que ambiente Winnicott falava? Será que considerava o ambiente apenas do bebê ou o ambiente da mãe e do bebê? Será que essa separação é possível?

Ainda, que realidade é essa que a mãe vai apresentar para o bebê? Falar em ambiente é considerar, em alguma medida, o externo dessa relação. A realidade que a mãe apresenta ao bebê é a sua própria realidade. E que realidade é essa?

Da mãe que precisa ser suficientemente boa num ambiente que não é suficientemente bom com ela. Essa mãe precisa mostrar para o filho que pelo simples fato de ser mulher, ela ganha salário menor nesse ambiente. Ela precisa mostrar que pelo simples fato de ser mulher ela é vítima de crimes de ódio, os feminicídios. Ela precisa mostrar que pelo simples fato de ser mulher ela é a atriz principal, que não é nem remunerada, nem amparada e nem reconhecida por isso.

A mãe suficientemente boa precisa mostrar a realidade em que só ela é que precisa ser suficientemente boa. E o fracasso e sucesso do projeto-bebê é apenas seu.

Se não temos um mercado de trabalho suficientemente bom, se não temos um sistema de segurança suficientemente bom, se não temos uma sociedade suficientemente boa, ter uma mãe suficientemente boa é beirar ao milagre. E essa é uma realidade que precisa ser apresentada aos bebês, às mulheres e a todos nós.