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Leia a coluna da semana (30/12/2024):

Positividade tóxica: Como eu posso ser triste se…?

Por Juliana Ramiro*

Nas redes sociais, uma trend recente questiona: “Como eu posso ser triste se…”, seguida por relatos de conquistas e alegrias do último ano. À primeira vista, parece uma celebração da vida. Mas, ao olhar mais de perto, percebemos o perigo de algo mais profundo: a exigência de uma felicidade compulsória, uma característica marcante do nosso tempo.
Vivemos em uma era de positividade tóxica, na qual a felicidade se tornou quase um dever. Precisamos estar felizes, amar incondicionalmente, viajar, construir, adquirir e demonstrar constantemente o quanto estamos bem. No entanto, a felicidade não é um estado permanente, assim como a tristeza não é um desvio. Ambas são partes naturais e indispensáveis da experiência humana.
O chamado pai da psicanálise, Freud, nos ensina que somos marcados pela falta e que ela nos constitui desde o início da vida. Como bebês, sentimos raiva quando nossas necessidades não são imediatamente atendidas, mas é justamente essa falta que nos permite experienciar o amor e a satisfação quando o cuidado retorna. O mesmo vale para a tristeza e a felicidade: só podemos reconhecer um momento feliz porque já vivemos a tristeza, e vice-versa.
Hoje, no entanto, somos inundados por imagens de vidas perfeitas, projetadas para o consumo rápido nas redes sociais. O sistema capitalista, como bem aponta o psiquiatra Gabor Maté, explora nossa sensação de falta para nos vender a ideia de que a felicidade está em algo externo: um carro, uma viagem, um corpo ideal. Porém, mesmo aqueles que alcançam essas “metas de felicidade” continuam sujeitos às frustrações e às dores inerentes à condição humana. Afinal, dinheiro pode comprar conforto, mas não elimina a finitude, os desafios emocionais e a necessidade de renunciar aos próprios desejos.
Essa pressão por felicidade constante não afeta apenas os adultos. Desde cedo, crianças e adolescentes são ensinados a mascarar a tristeza, como se ela fosse um erro ou algo a ser consertado rapidamente. Pais, muitas vezes bem-intencionados, tentam “distrair” os filhos quando estes demonstram tristeza, sem perceber que estão negando a eles a oportunidade de lidar com sentimentos fundamentais para o desenvolvimento psíquico. A tristeza, assim como a falta, é um motor de criatividade, reflexão e crescimento.
A felicidade genuína não está em uma conquista material ou em um estado de plenitude constante, mas na aceitação de que somos seres limitados, sujeitos à incompletude. Essa aceitação nos liberta da busca incessante por algo inalcançável e nos permite viver com mais honestidade e serenidade. Como digo entre meus pacientes: “Mais vale uma tristeza sincera do que uma felicidade compulsória.”
Por isso, questiono: será que não podemos simplesmente admitir que, às vezes, estamos tristes? Que nem todos os dias são fáceis? Que a tristeza não é o oposto da felicidade, mas parte dela? Aceitar a tristeza é reconhecer o nosso tamanho diante do mundo. Pode ser um momento doloroso, mas também libertador: entendemos nossos limites e conseguimos fazer o melhor dentro das nossas condições.
Convido você a refletir sobre isso e a se permitir viver todos os sentimentos que nos tornam humanos. E para quem quiser aprofundar a reflexão, vale conferir o episódio da semana do podcast Psi Por Aí.

 

* Juliana Ramiro é psicanalista, doutora em Letras, e uma apaixonada por música e literatura.

 

Texto publicado originalmente no Litoral na Rede: https://litoralnarede.com.br/positividade-toxica-como-eu-posso-ser-triste-se/

 

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