PODCASTPor que pais estão matando seus filhos?

Leia a coluna da semana (14/04/2025):

Por que pais estão matando seus filhos?

Por Juliana Ramiro*

Li, com espanto, uma manchete de um dos principais jornais do nosso Estado: “Maior parte das crianças assassinadas no RS na última década foi morta dentro de casa pelos próprios pais.” A pergunta que ficou ecoando em mim desde então foi direta, brutal e inescapável: por que pais estão matando seus filhos?

Segundo o levantamento que sustentou essa manchete, foram considerados 153 casos de assassinato de crianças de até 12 anos no Rio Grande do Sul, ao longo dos últimos 10 anos. Dessas vítimas, 111 morreram dentro de casa. E, entre essas, pelo menos 70 foram mortas por seus próprios pais, mães, madrastas ou padrastos.

Quando o próprio lar deixa de ser o lugar seguro, o que sobra para uma criança?

Essa pergunta ultrapassa os muros da estatística e nos obriga a encarar uma falência coletiva. Em muitos casos, o assassinato da criança não é um ato isolado de monstruosidade, mas o desfecho trágico de uma série de adoecimentos psíquicos, sociais e relacionais que se agravam silenciosamente até que o impensável aconteça.

Há uma fragilização crescente dos vínculos afetivos e da noção de responsabilidade com a infância. Pais separados que não conseguem sustentar um ambiente minimamente respeitoso entre si; adultos emocionalmente exauridos por um sistema capitalista que exige produtividade contínua, mas oferece pouco suporte afetivo e comunitário; pessoas que não suportam a frustração que o cuidado com um terceiro inevitavelmente impõe. Esses são alguns dos elementos que compõem esse cenário.

Na clínica, é cada vez mais evidente que o lugar de “pai” e “mãe” se perdeu em meio à liquidez das relações (como bem apontou Zygmunt Bauman). Há pais e mães que formam novas famílias de forma apressada, introduzindo figuras adultas na vida das crianças sem o menor cuidado ou reflexão. A criança, nesse contexto, se torna refém de decisões adultas descompromissadas com seu bem-estar.

Mas há algo ainda mais profundo: há mães e pais que, diante da sobrecarga e da ausência de apoio — institucional, familiar, afetivo — colapsam. Quando o desejo de cuidar desaparece e a frustração ocupa todo o espaço, o afeto pode se transformar em raiva. E essa raiva, se não for escutada, elaborada e contida, pode virar violência.

É claro que não se trata de justificar o injustificável. Mas é urgente compreender os caminhos que levam a essas tragédias. Quando um pai ou uma mãe mata o próprio filho, não é só a criança que morre. Morremos todos um pouco com ela. E, de certo modo, somos todos responsáveis. Essa morte aponta para o fracasso de um ambiente sócio-histórico que insiste em negligenciar o cuidado, a escuta e o suporte à infância e à parentalidade. Afinal, quem está cuidando de quem cuida?

A violência que mata na infância, quando o pior não acontece, segue nas relações de pais e filhos por toda a vida. No último episódio do Psi Por Aí conversei com Anelise Rabuske, psicóloga e psicanalista sobre Adolescência. Convido vocês para conferir.

 

Texto publicado originalmente no Litoral na Rede: https://litoralnarede.com.br/tag/saudemental/

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